3 sambas mais representativamente negros que Liberdade, Liberdade

 

Quero falar, já de início, que não acho o samba Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós… ruim. Só não é representativo. Foi uma fantasia de carnaval, e como tal eu respeito, além de admirar a bela melodia, mas enquanto peça histórica, não serve de nada. Eu posso usar os outros dois sambas desta lista como exemplos numa aula de história ou sociologia, como mote pra um debate, mas o referido campeão da Imperatriz Leopoldinense 1989 não. Aliás, só pra mostrar como ao longo de décadas a população vem sendo alienada com a ilusão de que o negro apenas fez “vir” pro Brasil aceitando a escravidão e aceitando, depois, a libertação por uma família real que nunca fez nada pela nossa população (o que automaticamente, já configura fazer contra, mas que se comprove que não fizeram uso da mão de obra escrava – o que duvido com fervor). Enfim, pra falar em luta por direitos, respeito e igualdade, não se aceita favor, a gente vai lá e busca. Como fez Zumbi, Dandara e tantos outros. A ordem não importa muito, só um critério que usei e digo lá na frente.

13 de maio não nos representa, mas há que se fazer uma exceção por ser o dia tradicionalmente consagrado a se homenagear nossos pretos velhos.

 

Kizomba, a Festa da Raça – Vila Isabel 1988 (Luíz Carlos da Vila / Rodolpho de Souza / Jonas Rodrigues)

Este, obviamente, sempre vai aparecer quando o assunto for representatividade, porque ao contrário de Liberdade, Liberdade, ele enaltece a cultura negra e a história onde Zumbi aparece como representante da luta contra a opressão do sistema escravagista e não Isabel como a heroína que levantou do sofá um dia aí e cismou de libertar os escravos que ficavam ali, sentados esperando favores. Kizomba é quilombo, não é espaço de fugitivos, é comunhão e irmandade por uma vida sem coleiras e grilhões físicos e mentais.

Trecho que destaco (mas é pra ouvir tudo): “Valeu Zumbi / O grito forte dos Palmares / Que correu terras, céus e mares / Influenciando a Abolição

 

Heróis da Liberdade – Império Serrano 1969 (Silas de Oliveira / Mano Décio da Viola / Manoel Ferreira)

Esta pérola aqui fala da luta pela liberdade lembrando um fato muito importante que os livros de história suprimiram por décadas: A participação das outras classes sociais no combate abolicionista. Intelectuais, políticos, escravos, populares, a abolição já ocorria há muito tempo em gestos, atitudes, inclusive na clandestinidade até por doutores que acobertavam fugas e populares que alimentavam quilombos. Senhores escravistas que temiam as retaliações de seus escravos rebeldes e de fugitivos com saques, agressões e até assassinatos de opressores e suas famílias. Os heróis da liberdade não foram os líderes do sistema, foram aqueles que o contestavam por mais humanidade. Detalhe, mesmo na cara que o samba é uma afronta às aulinhas de moral e cívica impostas pela própria ditadura (o A I-5 acabara de ser cuspido na nação), a única coisa que foi modificada pela censura foi ‘evolução’ no lugar de ‘revolução’. Samba atemporal.

Trecho que destaco (mas é pra ouvir tudo): “Ao longe soldados e tambores / Alunos e professores / Acompanhados de clarim / Cantavam assim / Já raiou a liberdade / A liberdade já raiou / Essa brisa que a juventude afaga / Essa chama que o ódio não apaga pelo universo…

 

 

Cem anos de abolição: Realidade ou ilusão? – Mangueira 1988 (Hélio Turco / Jurandir / Alvinho)

Normalmente, eu colocaria o samba do Império na frente por ser perfeito, mas esse da Mangueira tem um quê de desabafo, diferente do Império que se mostra mais um documentário ‘abra os olhos’ e não há juízo de valor aqui, apenas um critério emocional sobre o tom do samba, da letra em forma de contestação, desabafo que é a tônica do que fazemos até hoje nesta data. O samba contesta porque é sua função levantar a questão, mas nós que debatemos sobre isso o ano todo, sabemos que a realidade é uma enganação histórica.

Trecho que destaco (mas é pra ouvir tudo): “Pergunte ao Criador, pergunte ao criador /  quem pintou esta aquarela / Livre do açoite da senzala / Preso na miséria da favela” 

Sobre Fernando Sagatiba

Sou Fernando Garcia, o Sagatiba. Carioca, sambista, músico e jornalista. Amante de cultura pop e manifestações culturais e a sociologia do mundo em que vivemos. E apaixonado por Madureira, sobretudo, meu glorioso Império Serrano.
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Uma resposta para 3 sambas mais representativamente negros que Liberdade, Liberdade

  1. martha sant anna disse:

    PERFEITO!

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