13 de abril – Dia da Mulher Sambista

 

Em janeiro, saiu a notícia de que a Câmara Municipal de Vereadores do Rio de Janeiro, aprovou a Lei nº 5.146, que inclui o Dia da Mulher Sambista no calendário da cidade. A lei é de autoria do vereador Tarcísio Motta (PSOL-RJ) e seu projeto nasceu de uma sugestão da página Sambistas da Depressão.

 

A ideia do parlamentar é de que haja incentivos a eventos de cultura e debates sobre o lugar ocupado hoje pela mulher no samba, que, assim como na sociedade em geral, ainda é muito limitado pelo machismo. E a data é bem simbólica: 13 de abril. Pra quem não ligou a data ao significado, este foi o dia que, em 1922, nasceu Yvonne Lara da Costa, nossa grande dama, Dona Ivone Lara.

 

Se o sambista já não tinha muitas condições de viver da música sem acabar passando necessidades (vide Cartola que, homem, mesmo sendo O Cartola, viveu e morreu pobre), a mulher passava – e ainda passa – muito mais dificuldades quando se trata de ser respeitada e ter acesso a todo lugar que quiser. Sempre é uma revolução, a mulher fazer coisas que um homem nem liga, mas não quer ver a ‘fêmea’ mostrar que manda bem.

 

Este texto é um gesto de comemoração, mas também de resignação e apoio moral à mulher sambista. Fundamental na essência e desenvolvimento social do Samba, a mulher ganhou o estigma/estereótipo de que ou ela é a tia quituteira com pinta de mãezona acolhedora ou é a gostosa que samba e seduz com seus ‘’requebros febris’’ . Mas a coisa muda quando a mulher tenta ser algo mais que o bibelô, o enfeite da loja de lembranças pra turistas.

 

E não to falando só da mulher instrumentista que toca cavaquinho, violão e pandeiro além do simbólico tamborim ou ganzá. Posições em que a sociedade está mais acostumada a ver mulheres também são alvos de opressão. Mulheres compositoras, professoras e até, pasmem, cantoras são objeto de uma falsa adoração. Quer dizer, a adoração é pra que se sintam tão lisonjeadas que não queriam mais algo que os homens já dominam. Sim, este texto é uma denúncia também.

Tarcísio Motta: O vereador que criou o projeto de lei.

Não são poucas as minhas amizades femininas (axé, Olodum!), sobretudo negras. Muitas das quais figuram compositoras, produtoras culturais, escritoras, atrizes-dançarinas, instrumentistas e, sim, cantoras. Não chegam a ter o prestígio (inter)nacional de Alciones, Beths e Claras, mas representam bem nossa cultura mais perto da nossa realidade da maioria, aquela que corre pra onde tiver um bom samba e, diversas vezes, divide a agenda artística com o ponto e a carteira de trabalho.

 

Então, não vou me estender descrevendo Dona Ivone Lara, até porque já o fiz em outro texto neste blog. Vou falar da importância desta data para a sociedade brasileira em si. Tenha a iniciativa que eu tive de, ora perguntar franca, direta e abertamente sobre a visão dessas mulheres dentro do samba, ora apenas observar o que você tenha ouvido por aí das queixas femininas. Você vai se impressionar em como é possível e natural dois caras baterem de frente e quase saírem no tapa num momento, mas concordarem – mesmo sem se olharem na cara – em manter uma mulher de fora de seu “ phoderoso círculo de poder”.

 

É ridículo, mas há marmanjos adultos aos montes por aí se confabulando para manterem mulheres controladas e seus espaços de acesso afunilados, só pra não chegarem aos montes e ameaçar privilégios. Muita gente que paga de desconstruída aí e no convívio mais básico entrega algumas dessas atitudes machistas. Parafraseando uma amiga, a maioria dos homens nesse meio (e em todos, só mudando o instrumento de trabalho) parecem segurar o próprio ‘pinto’ quando ao microfone. É uma disputa de poder entre si que a mulher acaba sendo vista como o ‘inimigo em comum’.

 

Numa outra comparação que ilustra bem, já viu como brancos disputam entre si seus privilégios sociais, mas ao chegar um negão, eles se juntam pra dizer cinicamente que ‘somos todos humanos’, mas tentam nos convencer de que nosso lugar não é ali? É a mesma coisa? Aliás, falando em privilégios, você pode pensar que ‘hoje tá melhor, antigamente é que tinha machismo’, mas vem comigo no próximo parágrafo que eu te digo direitinho como funciona o esquema.

 

Primeiro, deixa eu te contextualizar. Vou falar da minha escola amada e idolatrada, o glorioso Império Serrano. Minha escola nasceu de uma dissidência contra o autoritarismo, mas mesmo tendo esse viés de resistência contra a opressão, na lista dos quase 30 fundadores, não há uma mulher. Se lembrarmos que foi na casa de Tia Eulália que a agremiação foi fundada, é de se estranhar, né? E se eu te disser que Eulália, figura das mais ativas na escola até sua morte, em 2005 (quase centenária) não tem seu nome na lista, mas tem o de seu marido, pouco atuante?

 

E ainda, o exemplo mais notório, a própria Dona Ivone. Essa, não precisa ser imperiano nem, em geral, sambista. Muita gente ‘leiga’ já ouviu em algum lugar que Dona Ivone precisava apresentar músicas por meio de seu primo, Antonio dos Santos, o Mestre Fuleiro, por que se os outros soubessem que era autoria de uma mulher, não dariam o mesmo valor e atenção. No entanto, com o tempo, foi ganhando respeito e se tornou a primeira mulher a integrar uma ala de compositores em escola de samba. Mas ainda é minoria absoluta.

 

E não é só o acesso direto a áreas ‘de menino’ que limitam o voo das mulheres no samba. Já ouvi relatos e também já reparei (com maior susto e atenção depois de várias conversas) em coisas que soam até infantilóides, do tipo ‘me dá meu brinquedo’, saca? Mulher pedir tom pra cantar e músico não saber (ou não querer) transpor o tom, por exemplo. Bem, eu sou músico de harmonia e sei que não é nada difícil tocar algo em lá menor, mesmo que o senso comum conheça no tom de ré menor, por exemplo. O que poderia atrapalhar seria a pessoa pedir um tom qualquer e cantar em outro.

 

Já vi mulher ser tolhida em roda de samba de outras maneiras. Cantam sozinhas, porque a rapaziada deixa na mão mesmo e corta na metade da música pra outro samba mais ‘testosterona’, já ouvi depoimentos informais de pagamento menor com qualquer desculpa besta, participação reduzida e até diluída (tipo, era pra ser atração e se torna figuração no meio da roda). Já arrumei, literalmente, brigas por causa dessa diferenciação sonsa e os “argumentos” que são usados, mas enfim, não é também um poço de lamentações.

 

A questão aqui é denunciar sim, mas não pra baixar o astral (em .ZIP), é pra demonstrar a importância de termos um dia da mulher sambista. Meninas vão poder ter maior visibilidade das mulheres e escolherem algo mais do que tocar instrumento de figuração numa roda, ser objeto sexual ou cozinheira de mão cheia pra ser respeitada no rodapé da página da história da nossa própria cultura.

 

Conheço muitas mulheres, de idades, localidades e situações diferentes que, por meio do samba, infelizmente, têm as mesmas histórias de exclusão e invisibilidade pra contar. Isso tem que mudar e esta data é muito bem vinda no momento que o país mais precisa. Não posso conceber de boas que uma cultura que aceita tanta coisa de fora (parte disso é inclusive o que compõe o samba) não enxerga a mulher como pilar primordial. Afinal, quando se enche a boca pra falar que o samba é democrático e que aceita a tudo e tods de bom coração, estamos mesmo falando sério, ou só falando bonito?

Mulher é fundamento do Samba. Não tem como ser homem e aceitar de boas que eu seja a cara do glamour (não sou, por mil outras situações, mas fica a analogia) enquanto a mulher é mais requisitada pra backing vocal, passista ou baiana, ali, de lado no palco da própria vida.

Fontes:

https://noticiapreta.com.br/dona-ivone-lara-inspira-lei-do-dia-da-mulher-sambista-no-rio-de-janeiro/

VALENÇA, Rachel & VALENÇA, Suetônio: Serra, Serrinha, Serrano – O Império do Samba (2017, Editora Record)

Sobre Fernando Sagatiba

Sou Fernando Garcia, o Sagatiba. Carioca, sambista, músico e jornalista. Amante de cultura pop e manifestações culturais e a sociologia do mundo em que vivemos. E apaixonado por Madureira, sobretudo, meu glorioso Império Serrano.
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